MPF aciona Justiça contra o governo do RS e cobra inclusão indígena em programa dos 400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis
16/09/2025
(Foto: Reprodução) Sitio Histórico São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões
Reprodução/ Prefeitura Municipal de São Miguel das Missões
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública contra o estado do Rio Grande do Sul para exigir a reestruturação do programa “400 Anos das Missões Jesuíticas Guaranis no RS”. De acordo com o MPF, a iniciativa, que prevê investimentos públicos superiores a R$ 50 milhões, exclui o povo Guarani das decisões e dos benefícios do projeto.
Segundo o MPF, o programa estadual, lançado para celebrar o quadricentenário da experiência jesuítico-guarani, destina quase todos os recursos à infraestrutura turística e cultural da chamada Região das Missões, enquanto ignora as necessidades básicas das comunidades indígenas.
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Apenas 0,6% do orçamento foi reservado para ações diretamente voltadas aos Guarani, como a construção de uma Casa de Cultura em uma única aldeia.
A Procuradoria-Geral do Estado aponta que o governo "reafirma que os povos indígenas guaranis estão no centro das comemorações dos 400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis" e que "não há exclusão das comunidades indígenas no processo". (leia, abaixo, o posicionamento na íntegra)
“Semelhante a uma migalha”
De acordo com a petição, o programa distribui R$ 35 milhões à Secretaria de Turismo e R$ 14,6 milhões à Secretaria de Cultura, enquanto R$ 330 mil foram destinados a uma ação indígena.
“Se o investimento total fosse um pão francês de 50 gramas, a parcela destinada aos Guarani equivaleria a apenas 0,33 gramas, algo semelhante a uma migalha”, compara o documento.
O MPF ainda aponta que a Comissão Oficial responsável pela governança do programa é composta por 45 entidades, das quais apenas uma representa os povos indígenas, o Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI), com participação considerada “simbólica” e sem poder de decisão.
Violação de direitos
A ação denuncia a violação de direitos constitucionais e internacionais, como o direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da OIT.
O MPF também destaca que o programa ignora a extrema vulnerabilidade das comunidades Guarani, documentada em diagnóstico da EMATER/RS. Entre os dados, estão:
92% das comunidades enfrentam problemas habitacionais;
37% dependem de caminhões-pipa para acesso à água potável;
75% das escolas indígenas funcionam em estruturas precárias;
Apenas 21% vivem em terras devidamente demarcadas.
Pedido de desculpas e reparação
Além da reestruturação do programa, o MPF pede que o estado realize um ato público de pedido de desculpas ao povo Guarani pelas violações históricas, e que implemente medidas efetivas de valorização cultural. Entre elas, estão:
criação de um festival anual de cultura Guarani;
fomento à soberania alimentar;
inclusão da história indígena na rede estadual de ensino.
A ação também requer o pagamento de R$ 49,67 milhões por dano moral coletivo, valor equivalente ao orçamento total do programa, a ser destinado às aldeias Guarani do estado.
O MPF solicita ainda a suspensão imediata das obras e repasses do programa até que sua estrutura seja revista com participação efetiva dos indígenas. A medida liminar, segundo os procuradores, é necessária para evitar danos irreparáveis ao patrimônio cultural e à dignidade do povo Guarani.
A ação foi assinada pelos procuradores Pedro Nicolau Moura Sacco, Raphael Rebello Horta Gorgen e Ricardo Gralha Massia, e tramita na Justiça Federal de Porto Alegre.
O que diz o governo do RS
"Guaranis estão no centro das celebrações dos 400 anos das Missões
Sobre a ação civil pública do Ministério Público Federal, o Governo do Rio Grande do Sul reafirma que os povos indígenas guaranis estão no centro das comemorações dos 400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis, a serem completados em 2026. Mais do que uma data histórica, este é um momento de reconhecimento e valorização do legado guarani, construído em diálogo permanente com as comunidades, os municípios e as entidades representativas da região missioneira.
A Secretaria da Cultura (Sedac) vem conduzindo um processo amplo de articulação com diferentes órgãos estaduais, federais e municipais, para que as celebrações sejam não apenas uma homenagem ao patrimônio histórico e social missioneiro, mas também uma oportunidade de fortalecimento do protagonismo indígena.
No entanto, diferentemente das premissas que embasam a ação, o processo de organização das celebrações é recente, buscando a elaboração de um calendário de atos e eventos vinculados à data a ser celebrada em 3 de maio de 2026.
Para viabilizar a iniciativa, estão sendo ouvidos representantes dos povos indígenas guarani, dos jesuítas, municípios, entidades e universidades, em reuniões mensais com livre exposição de ideias e sugestões de atividades. Ou seja, o processo está em andamento e novas ações podem ser contempladas em benefícios à comunidade guarani.
Especificamente sobre os guaranis, além do Conselho Estadual do Povo Indígena (Cepi), que tem participação ativa nas reuniões já realizadas, outras entidades estão sendo convidadas a integrar a Comissão, que pretende concluir o trabalho até a primeira quinzena de outubro. Este é o processo de organização das celebrações alusivas aos 400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis.
O investimento de R$ 50 milhões anunciado em junho de 2025 representa uma etapa importante, voltada a obras de infraestrutura e projetos culturais e turísticos fundamentais para toda a população da região das Missões. Coincidiu com a proximidade das celebrações da efeméride, mas não fez parte oficialmente delas, ou seja, não há um programa específico criado para as celebrações.
Desse montante, R$ 18 milhões são do orçamento da Secretaria da Cultura, sendo que mais da metade — R$ 10,6 milhões — foi destinada a ações de valorização direta da história guaranítica, como a requalificação de museus e a criação de exposições temáticas, a citar: criação de duas exposições de longa duração sobre a história guaranítica: a) uma no Museu Missioneiro, em São Miguel das Missões, com investimento total de R$ 5,8 milhões (R$ 5,27 milhões do Estado e R$ 527,22 mil de contrapartida municipal); b) e outra na Catedral Angelopolitana, em Santo Ângelo, com aporte de R$ 5,3 milhões (R$ 5,33 milhões do Estado e R$ 592,74 mil de contrapartida municipal).
O que foi anunciado não esgota o conjunto das ações planejadas, que segue em construção e aberto a ajustes participativos e transparentes.
Vale destacar que os projetos contemplados foram apresentados pelos próprios municípios e entidades da região, com o objetivo de gerar desenvolvimento econômico e social, beneficiando toda a população regional e fortalecendo a memória coletiva.
A respeito das celebrações, destacamos que as reuniões da Comissão Oficial estão sendo realizadas mensalmente desde julho de 2025, já com registros de propostas específicas voltadas ao povo guarani, sistematizadas pela Sedac para que se convertam em iniciativas concretas até 2026.
O governo do Estado reitera, assim, que não há exclusão das comunidades indígenas no processo. Pelo contrário: há um esforço contínuo para que os 400 anos das Missões sejam um marco de reconhecimento, participação e justiça histórica, reafirmando o papel dos guaranis como protagonistas dessa celebração. Dessa forma, permanecemos abertos ao diálogo, para o eventual aprimoramento das ações do Estado a partir do contexto normativo e administrativo existente, visando sempre ao fortalecimento do patrimônio cultural e ao reconhecimento histórico dos povos originários do Rio Grande do Sul.
Outras ações do governo do Estado aos povos originários
Além da participação do povo guarani nas celebrações dos 400 anos, o governo do Estado desenvolve uma série de ações voltadas a melhorar as condições dos povos indígenas espalhados pelo território gaúcho.
Em conjunto, essas iniciativas reforçam o compromisso do Estado com a educação diferenciada, a valorização cultural, a melhoria da infraestrutura, o fortalecimento socioprodutivo e o atendimento em saúde das comunidades indígenas gaúchas, sempre em diálogo com suas tradições e modos de vida.
Seguem algumas ações desenvolvidos pelo governo do Estado:
Educação
Atendimento a 108 escolas indígenas de Ensino Fundamental e Médio, com garantia de educação diferenciada, bilíngue/multilíngue, intercultural e comunitária.
Formação continuada de professores, incluindo jornadas pedagógicas, capacitações específicas para caingangue e guarani e cursos on-line pela plataforma da Seduc.
Programa Ação Saberes Indígenas (ASIE), em parceria com MEC, UFRGS e UFFS, para aprimorar práticas pedagógicas.
Grupo de Trabalho para Educação Escolar Indígena e diagnósticos nas escolas para qualificar políticas públicas.
Planejamento de 11 novos projetos de construção de escolas indígenas.
Habitação
Investimentos no Programa Nenhuma Casa sem Banheiro, que promove a dignidade para a população de áreas urbanas, indígenas e quilombolas inscritas no CadÚnico. Está em fase de execução a construção de 50 módulos sanitários na Reserva Indígena do Ligeiro, no município de Charrua, onde também já investimento em um poço. Em Gramado dos Loureiros, há projeto de outro poço para a comunidade indígena.
Obras Públicas
Investimento de R$ 23,8 milhões (desde 2023) na qualificação de 26 escolas indígenas.
Obras já finalizadas em 14 escolas; 6 em andamento e 6 em contratação.
Desenvolvimento Social
Convênio de R$ 330 mil para apoio socioprodutivo à Aldeia Guarani Tekoa Koenjú (São Miguel das Missões).
Construção do Espaço de Integração Socioprodutiva e aquisição de equipamentos.
Valorização de práticas tradicionais, como artesanato e expressões culturais, com fomento ao turismo comunitário e cultural.
Saúde
Programa Piaps: repasse mensal de R$ 2 mil a R$ 15 mil para municípios com indígenas aldeados.
Criação de Ambulatórios de Saúde Indígena em Passo Fundo, Tenente Portela e Constantina, com atendimento específico e integração entre medicina tradicional e dos povos originários.
Meio Ambiente
Investimento de R$ 3,9 milhões até 2025 em projetos de conservação e práticas sustentáveis nos territórios indígenas.
Ações incluem restauração ecológica, agroflorestas, reflorestamento, viveirismo comunitário, meliponicultura e apoio às roças tradicionais.
Projetos em andamento fortalecem a biodiversidade no Pampa, envolvem jovens guaranis na recuperação de matas e ampliam reposições florestais em aldeias guaranis e kaingangs.
Justiça, Cidadania e Direitos Humanos
Em 2024, acompanhamento e ação durante conflitos fundiários, reintegrações de posse, destinação de imóveis para comunidades indígenas, regularização de espaços em eventos e respostas a emergências climáticas.
Para 2025, estão previstas:
• implementação de planos estaduais de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas;
• suporte e secretaria executiva ao Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI);
• acompanhamento de convênios do programa Avançar;
• relatório sobre impactos climáticos em populações vulneráveis;
• produção de estudos e levantamentos para subsidiar políticas públicas.
Governo do Rio Grande do Sul"
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